O cozer das pedras, o roer dos ossos - Patrick Torres


cozer pedras: se alimentar do vazio / roer ossos: esvaziar o corpo da existência 

uma história tão árida quanto a caatinga: assim é "o cozer das pedras, o roer dos ossos", de Patrick Torres. árida, mas não menos poética, tocante, precisa e afiada.

no romance, acompanhamos Mirto, um garoto que, desde muito menino, aprendeu a confundir amor com violência; aprendeu a distinguir a violência do amor; aprendeu que ambas são partes quase indissociáveis da vida.

com um pai agressor e vivendo no epicentro de um lar escasso de demonstrações de afeto, Mirto está a ponto de fazer algo tão inesperado quanto previsível. e essa decisão, ao ser tomada, parece romper um ciclo infinito - de tapas e palavras que ferem.

só que nem tudo se efetiva com um fim. depois desse fim, há muitos outros. e é isso que justifica seu caminho: o que é necessário para perdoar o que não carece de perdão?

com uma prosa poética que se derrama, página a página, por um enredo cruel, o autor conduz sua narrativa pelas arestas da linguagem; por digressões que excedem o fato em si; por deliberações que levam o leitor por caminhos internos pelo complexo mapa invisível que há em cada personagem.

e foi isso o que mais gostei na obra. apesar de, por vezes, me incomodar por certos "excessos", entendo a escolha dessas transgressões, desse uso 'exagerado' da denotação, da psicologia descritiva.

ao tempo, admito que, em certos momentos, a leitura perde fluidez; mas não acho que isso impeça a conexão: ao contrário, comigo serviu para alinhavar uma simbiose com as dores e motivações - tanto de Mirto quanto de sua mãe, que quer aprender a ler e escrever para deixar um pedaço de si quando partir.

uma bela estreia!

No interior da caatinga nordestina, Mirto cresceu presenciando a violência e o sofrimento. Da vida. Do mundo. De seu pai, Germão, para com ele e sua mãe, Dona Hermina, mulher que é puro amor e submissão.

A realidade desta família é transformada quando em uma trágica e fatídica noite, a pouca inocência infantil que ainda lhe restava é tirada de Mirto na forma da morte do pai agressor. Separados pela crueldade do destino, da culpa, do remorso e da vergonha, mãe e filho anseiam não só por um reencontro, mas principalmente por um perdão que pode libertá-los.


4 comentários

  1. RONALDO!
    Admiro que leia nossos autores nacionais e nordestinos.
    A história sofrida e brutal parece trazer das profundezas humanas um desenvolvimento prematura e uma separação dolorosa para ambos: mãe e filho.
    cheirinhos
    Rudy

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  2. Mirto parece ser o tipo de personagem que traduz bem a vida de tantas pessoas, ainda mais onde antigos costumes, atuais situações, deixam tudo meio que parecendo em outro plano!
    A violência, o amor, as dores, o tentar se livrar de tudo. A poesia e a tristeza em páginas que dão ao leitor esse misto de sentimentos, como o desespero, o acalentar, mas também o se revoltar!
    Como não conhecia o livro, já adorei saber sobre e se tiver oportunidade, quero muito ler!
    Beijo

    Angela Cunha Gabriel

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  3. A realidade de infinitas famílias nesse Brasil a fora infelizmente. Isto não é retratado nas novelas, mas ainda bem que temos os livros para nos lembrar das desigualdades existentes.
    Eu particularmente amo livros fortes, livros que me tiram do meu mundinho e me mostrem os problemas da nossa sociedade.
    Já quero!

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  4. Olá! Eu fico sempre impressionada com as resenhas que você traz e o quanto de realidade/verdade encontramos nessas histórias, que facilmente poderiam ser as histórias de tantos conhecidos nossos, aquela leitura difícil, mas necessária.

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