Moisés Negro é, sobretudo, um livro que fala sobre a infância. Pode ser lido até como um romance de formação, no qual o pequeno Moisés volta ao seu eu pequeno para nos transportar para uma República do Congo com o atravessamento de um socialismo científico – que muda as dinâmicas de vida daquele povo. Página a página, conhecemos Moisés e sua vida um tanto quando reinventada à medida que contada.
Dividido em duas partes, o romance de Mabanckou é forte e potente sem deixar de ser singelo. Por vezes o próprio leitor é desafiado a entender quem é que nos narra, se um Moisés adulto, com olhos voltados à sua trajetória, ou o próprio na infância, se fazendo enquanto se faz conhecer.
O enredo, em primeira pessoa, nos transporta para um orfanato em meados da segunda metade do século XX, onde centenas de crianças convivem em uma harmonia consentida. Todos, tendo em comum o permanente estado de abandono. Essas crianças, por vezes angustiadas, travessas e malcriadas, têm nas figuras de Papai Moupelo e Niangui, representações de afeto que lhe são negadas.
A vida dessas crianças muda drasticamente com essa revolução comunista, que, além de ditar novas regras que subjugam os cidadãos de alguma forma, arrancas deles as únicas pessoas que lhes declinavam gestos de carinho.
Esse ponto de mudança no romance é fundamental, pois o autor se vale dele para expandir a história na voz de Moisés, dando um panorama de como a universalidade desse ato, balança o macro e o micro. Tanto o país é chacoalhado como o modo de ser e estar no mundo; principalmente dentro desse orfanato, no qual o diretor potencializa sua hostilidade.
Há, em certo ponto, uma parte do romance que se passa nas ruas de Pointe-Noire, um cenário mais amplificado, urbano e cosmopolita, definido exatamente pela insatisfação de Moisés em continuar pertencente ao orfanato.
O autor, sábia e sensivelmente, toca em temas de amizade, abandono e sobre os impactos que a infância deixa na vida de alguém – seja através de boas experiências ou não. É um romance muito potente, que carece, no começo, de um esforço e insistência – a primeira parte custa a passar em alguns momentos – mas que vale toda a disposição.
Leitura mais que recomendada!
Não é fácil ser Tokumisa Nzambe po Mose yamoyindo abotami namboka ya Bakoko. A começar por seu longo nome, que significa "Demos graças a Deus, o Moisés negro nasceu na terra dos ancestrais". A maioria das pessoas chama ele de Moisés. Depois, há o orfanato onde ele mora, dirigido por um patife político malicioso, Dieudonne Ngoulmoumako, e onde ele é aterrorizado por dois irmãos órfãos - os gêmeos Songi-Songi e Tala-Tala.Mas depois que Moisés se vingou dos gêmeos, os gêmeos o colocam sob sua proteção, escapam do orfanato e se mudam para a movimentada cidade portuária de Pointe-Noire, onde formam uma gangue que sobrevive de pequenos furtos. O que se segue é um conto engraçado, comovente e grandioso que narra a jornada trágica de Moisés pelo submundo de Pointe-Noire e o mundo politicamente repressivo do Congo-Brazzaville nas décadas de 1970 e 80.O retrato vívido de Mabanckou do colapso mental de Moisés ecoa o trabalho de Victor Hugo, Charles Dickens e Brian DePalma em Scarface, confirmando o status de Mabanckou como um dos maiores contadores de histórias. Moisés negro é uma nova extensão vital de seu ciclo de romances sobre Pointe-Noire, que se destacam como um dos projetos ficcionais mais grandiosos e engraçados de nosso tempo.
E eu associando o título do livro a algo bíblico.
ResponderExcluirPassada a sensação, me vejo em uma resenha dolorida e ao mesmo tempo, poética da e na vida desse garoto e de todos os sentimentos que são colocados em sua vida.
Tive medo por alguns segundos de não conseguir pegar o fio da meada, por trazer o garoto e o homem, mas entendi que ambos são um só e talvez esteja aí, o grande "bum" de um livro assim!
Já preciso muito ler!
Beijo
Angela Cunha Gabriel/Rubro Rosa/O Vazio na Flor
Ronaldo!
ResponderExcluirAlguns livros podem até parecerem enfadonhos no início e nos sentimos desestimulados em continuar a leitura, mas aqui, por ser um assunto tão importante como a realidade de crianças que vivem em um orfanato e o que isso pode ocasianar à personalidade das crianças, principalmente pelo abandono dos pais que devem causar insegurança, deve ser uma leitura engrandecedora.
cheirinhos
Rudy
Olá! Mais um que eu não conhecia, mas também mais um que logo de cara chama atenção por trazer uma história forte e carregada na emoção! Mesmo com esse inicio mais desafiador, sem dúvida é uma leitura que vale muito a pena, ainda mais por ter alguns pontos de reflexão.
ResponderExcluirO post me fisgou logo de cara pelo autor da obra, sempre bom conhecermos autores africanos, visto todo preconceito que há né. Eu sempre recomendo aos meus alunos conhecer um pouco mais da história da África, como uma forma de desconstruir estereótipos e combater o preconceito. Adorei a premissa da obra, histórias com crianças abandonadas tendem a ser sempre muito sensíveis e tensas, mexe realmente com nosso emocional e como toda boa obra nos permite pensar e refletir nosso adulto, visualizando nossa criança. Como você citou, conhecer os reflexos que a infância deixou.
ResponderExcluirOlá Ronaldo
ResponderExcluirFiquei conhecendo esse livro aqui .
E que livro hein ? Sua resenha está maravilhosa como sempre .deve ser um relato bem angustiante onde o autor narra tempos difíceis. E deve ser mais doloroso ainda porque envolve crianças .e isso mexe com a gente. Pois sabemos da triste e cruel condições horríveis que muitas crianças passam