Animais mortos nas estradas sendo recolhidos por um homem. Virando adubo, matéria orgânica, o ciclo da vida - ou da morte. Pessoas desconhecidas encontradas. Também mortas. Sem nome, com histórias não reveladas. Ana Paula Maia constrói uma obra assim: sombria, flertando com uma aura sobrenatural e com um clima funesto, do começo ao fim.
Em Enterre seus Mortos, o leitor acompanha parte da trajetória de Edgar Wilson como recolhedor de animais mortos. Um "homem simples que executa tarefas". Todos os dias, religiosamente, ele faz a mesma coisa, em estradas pouco movimentadas, em paisagens áridas e cinzentas. Até que encontra uma mulher morta, pendurada em uma árvore.
Esse fato desencadeia alguns outros, que desembocam na sua própria percepção de como cada um, a seu modo, lida com vidas alheias.
Acompanhando-o ele tem Tomás, um padre excomungado, e seu bom e velho carro, que já transportou inúmeros corpos.
Apesar de curto, a densidade que senti no enredo criado por Ana Paula Maia me tirou do eixo ao longo da leitura. Embora não seja repleto de plots ou clímax, o livro é todo permeado por uma aura muito aterradora e desconhecida, como se o leitor, tateando em meio aos cenários, fizesse ele próprio parte daquela narrativa, criando-a enquanto acontece.
A autora, também roteirista, tem um talento indiscutível no tocante de fazer do seu livro uma obra cinematográfica, um roteiro no qual falas são inseridas em contextos visuais muito bem projetados nas páginas do seu livro.
É um livro bastante objetivo, com cenas curtas e diretas, rápidas e dinâmicas, por vezes repetidas. O uso da repetição - que, para alguns leitores, pode doar cansativo - pra mim foi um ponto alto, no qual ela reiteração deliberadamente, por exemplo, a necessidade obsessiva do seu protagonista em se manter sempre bebendo café.
Enfim, uma experiência de leitura pessoalmente surpreendente (muito embora a autora tenha dado declarações - pessoais, diga-se - que considero um tanto quanto questionáveis). Sigo naquele velho dilema de separar ou não separar autor de obra - será possível? Vamos refletir. Haha
Boa leitura!
Edgar Wilson é “um homem simples que executa tarefas”. Trabalha no órgão responsável por recolher animais mortos em estradas e levá-los para um depósito onde são triturados num grande moedor. Seu colega de profissão, Tomás, é um ex-padre excomungado pela Igreja Católica que distribui extrema unção aos moribundos vítimas de acidentes fatais que cruzam seu caminho. A rotina de Edgar Wilson, absurda em sua pacatez, é alterada quando ele se depara com o corpo de uma mulher enforcada dentro da mata. Quando descobre que a polícia não possui recursos para recolhê-lo — o rabecão está quebrado —, o funcionário é incapaz de deixá-lo à mercê dos abutres e decide rebocar o cadáver clandestinamente até o depósito, onde o guarda num velho freezer, à espera de um policial que, quando chega, não pode resolver a situação. Nos próximos dias, o improvisado esquife receberá ainda outro achado de Wilson, o lacônico herói deste desolador romance kafkiano: desta vez o corpo de um homem.
Habituados a conviver com a brutalidade, Edgar e Tomás não se abalam diante da morte, mas conhecem a fronteira, pela qual transitam diariamente, entre o bem e o mal, o homem e o animal. Enquanto Tomás se empenha em salvar a alma, Edgar se preocupa com a carcaça daqueles que cruzam seu caminho. Por isso, os dois decidem dar um fim digno àqueles infelizes cadáveres. Em sua tentativa de devolvê-los ao curso da normalidade, palavra fugidia no universo que Ana Paula Maia constrói magistralmente, os dois removedores de animais mortos conhecerão o insalubre destino de seus semelhantes.
Gente!!!Eu namoro tanto este livro que você não imagina!
ResponderExcluirEu gosto sim, desse lado fúnebre da vida.rs sei lá, é uma maneira tosca de enxergar, mas levo o título deste livro como uma lição de vida.
Precisamos enterrar nossos mortos e isso se refere a sentimentos ruins, coisas ruins, pessoas ruins e situações ruins.
Pode até não ser esse o intuito da autora, mas eu sempre o vi dessa forma.
Creio que precise ter uma pontinha de Edgar em cada um de nós!!!
Beijo
Angela Cunha Gabriel/Rubro Rosa/O Vazio na Flor
Ronaldo!
ResponderExcluirBem, para mim fica difícil separar a obra do autor, afinal, ele coloca suas palavras e experiências em suas obras, suas linhas de pensamento.
Não li ainda nenhum dos livros da autora, e por sua resenha, leria com maior prazer.
Bacana!
cheirinhos
Rudy
Olá! Essa é a segunda vez que me deparo com esse livro e durante a resenha a sensação que tive não foi das melhores, essa é aquele tipo de leitura que incomoda, que definitivamente nos tira da nossa zona de conforto e nos mostra uma realidade até que não tão surreal assim e mais próximo da nossa (ainda mais em tempos de pandemia), do que gostaríamos de admitir.
ResponderExcluirOi, Leninha! Que trama curiosa! Ouvi falar desse livro esses dias, alguém indicou num post do Instagram do blog. Já fui lendo a resenha e ficando incomodada, bem o tipo de leitura que costumo gostar!
ResponderExcluirBeijos, Entre Aspas